sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Cinema, poesia e clichê

- Um guarda de trânsito faz um gesto eloquente e os carros param
- Um grupo de 25 japoneses atravessa a rua tirando fotos de tudo, muitas
- Suas lentes se voltam para um menino de rua que jogava malabares e depois pedia esmola
- Uma mulher decide ajudar, do banco de trás abre a janela do carro e lhe dá uma moeda
- Ela está sentada em meio a sacolas de compras de marcas famosas, várias. O carro segue
- Seu motorista (e também guarda-costas) a olha pelo retrovisor, um olhar de cumplicidade e flerte. Há algo entre os dois
- Enquanto olha percebe que um carro os segue, há troca de tiros e explosões, chegam em casa a salvo, mas
com alguns ferimentos
- A mulher prepara um curativo
- 6 meses depois...
- Ela está em seu quarto, com roupa de dormir, sentada na escrivaninha escrevendo uma carta, na qual se pode ver um poema:
- "Eu só sinto dor
sem esse amor...
Não posso mais viver assim
com você longe de mim.
Você é o ar que respiro.
Te quero pra sempre
feito tatuagem".

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O mar e o sangue

Gílson nasceu em Lima Duarte, interior do interior de Minas Gerais, e até os onze anos sua relação com a água resumia-se a banhos esporádicos nas cachoeiras e lagos de Ibitipoca, cidade vizinha. Foi com essa idade que pediu a Papai Noel pra ver o mar, através de uma carta depositada na única caixa dos correios que sua cidade possuía. Nos correios existia ordem para que cartas endereçadas a Papai Noel fossem abertas, lidas, e que alguns pedidos nelas contidos, caso possível, fossem realizados. O pedido de Gílson, pela singeleza com que foi escrito, sensibilizou os funcionários da instituição, que logo contactaram um programa de televisão para que o desejo do menino se concretizasse. Os editores do programa não tiveram dúvidas em fazer o quadro - é o tipo de coisa que os telespectadores procuram na época natalina. A mãe de Gílson foi contactada, Gílson foi buscado em casa, Gílson foi levado para o Rio de Janeiro, Gílson viu o mar. O foco da câmera, todo o tempo, estava posto nas expressões do garoto, maravilhado. O sucesso do quadro foi grande, fazendo com que os editores pensassem em outros quadros com o mesmo motivo -  "as emoções de uma primeira vez". Decidiram, então, promover o encontro de uma filha que nunca a mãe havia visto, levando as duas para o palco, a câmera focada em seus rostos, em frente à plateia comovida.  A próxima ideia foi filmar a expressão de uma pessoa na primeira vez em que esta fosse ao Maracanã, no momento exato em que a última rampa fosse subida e se desse o contato visual com a massa em chamas. As expressões vivas foram frutíferas em termos de audiência, e o quadro continuou. A ideia seguinte foi filmar o momento da entrada de uma noiva na Igreja. Sucesso. Decidiram então ampliar a proposta do quadro para a filmagem de situações de maior intimidade, pueris ou não, pagando pessoas de condições menos favorecidas, que aceitariam algum dinheiro em troca da perda de privacidade. A visão do primeiro filme 3D. O recebimento do primeiro salário. O primeiro Escargot. A compra do primeiro smartphone. A primeira vez numa boate. O primeiro beijo - o sucesso por filmar o primeiro beijo de alguém foi estrondoso, fazendo com que a emissora cogitasse gravar, então, a perda da virgindade de uma menina - com o problema  do  material, que não poderia ser publicado em TV aberta (cabe notar que a emissora não queria pagar para fazerem sexo, e sim para que o sexo feito espontaneamente fosse filmado). Por sua atratividade e poder de entretenimento, entretanto, a ideia não foi abandonada. Decidiram começar a coletar imagens, e em momento posterior deliberar sobre a sua utilização. Após meses com material sendo gravado continuamente, após a filmagem de quase uma centena de virgindades perdidas, a saída foi criar um canal pornô na TV a cabo. Esta é a estória sobre como uma carta endereçada a Papai Noel deu origem ao primeiro canal pornô da TV brasileira especializado em virgens. 

domingo, 25 de novembro de 2012

Acesso

foto - rosto - espelho - elevador - desce
do salto
mortal em direção à piscina

sem ar
o desespero de quem
quer mais: alguém
que salve

salve, bravíssimo,
aplausos, Mercedes:

abra a porta pra este mundo
de ilusões.